Pedofilia: A História de Simone, uma lição de superação, força e integridade

Meu nome verdadeiro é Simone, tenho 46 anos. Autorizei a publicação da minha história para que as pessoas tenham conhecimento do que acontece em outras casas, para que prestem atenção em seus filhos e denunciem quando desconfiarem de abusos. Em cada queda existe a oportunidade de se reinventar e recomeçar. Dentro de cada um de nós existe uma pessoa incrível, uma personalidade única, um caráter em formação e uma infinita vontade de ser feliz.

Espero que a minha história chegue até você que sofreu um abuso, um preconceito, que em algum momento sentiu-se diferente da sociedade. Somos perfeitos com nossas imperfeições. Somos pessoas e merecemos respeito!

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Nasci dia 9 de novembro de 1973, segundo minha mãe, desde muito pequena eu já dava indícios de minha homossexualidade, porque nunca gostei de brincadeiras de meninas, bonecas, roupas e maquiagens, sempre preferi carrinho, jogar bola, brincar na rua e assim fui crescendo, me diferenciando das “meninas normais”.

 

O Estupro

Com seis anos de idade fomos para o sítio dos meus avós maternos, minha mãe, meu irmão e eu. Por morarmos em outra cidade, eu não conhecia meus avós ainda, então assim que chegamos foi uma alegria! Fomos muito bem recebidos e meu avô me convidou para ir a cavalo com ele até a venda buscar alguns mantimentos. Tudo era novidade: sítio, avô, cavalo… pedi para a minha mãe que aceitou prontamente, afinal, que mal havia em ear com o pai dela?

Porém, o pior estava para acontecer no meio do caminho. Ele me tirou do cavalo, me jogou na grama e consumou o estupro, ainda me ameaçou dizendo que não poderia contar o que aconteceu pra ninguém. Quando chegamos minha mãe percebeu que eu estava arredia, diferente e me puxou de canto fazendo com que eu contasse toda a verdade pra ela.

Ela ficou muito brava, mas não podíamos voltar pra casa naquele momento porque só teria ônibus na segunda-feira. Tivemos que aguentar o final de semana todo com aquela situação constrangedora e com minha mãe sabendo a verdade, foi uma grande aflição para todos nós. A família de minha mãe ficou sabendo do ocorrido, mas optaram por não contar nada ao meu pai, porque ele recém havia ingressado no batalhão e se ele soubesse, com certeza mataria meu avô.

Quando eu tinha 14 anos, ele tentou novamente, mas eu revidei e não permiti. Algum tempo depois ele faleceu de câncer na próstata. Eu acredito que seja castigo divino por tudo o que fez comigo. Em seu leito de morte, ele pediu que me chamassem,  dizia que queria pedir perdão, mas eu não fui. Ainda existia muita raiva e revolta. Por muito tempo culpei minha mãe por ter me levado até aquele lugar, mas depois fui amadurecendo e percebi que ela não tinha culpa de nada. Ela nunca poderia imaginar do que ele seria capaz.

 

A Descoberta e Aceitação da minha Sexualidade 

Eu me assumi lésbica aos 11 anos, porém meu primeiro contato com uma menina foi aos 7 anos. Eu estava na escola e a professora me pegou no banheiro com uma menina, chamaram minha mãe e foi aquele alvoroço! Depois de um tempo minha mãe me colocou em um convento, mas fui expulsa de lá porque a madre superiora me flagrou na cama com uma noviça. Minha mãe procurou tratamento com um psicólogo, era um homem e eu odiava ser atendida por ele. Na terceira consulta veio uma ótima notícia, ele iria fazer uma pós-graduação fora do país e não me atenderia mais. A partir da consulta seguinte uma psicóloga ou a me atender. aram-se dois anos de tratamento e minha mãe desconfiou que aquele tratamento nunca tinha fim… descobriu que eu estava tendo um caso com a psicóloga. Foi nesse momento que ela entendeu que eu não estava doente, que eu não precisava de tratamento e que não havia cura para isso.

 

A Sociedade e o mercado de trabalho

Eu não sofri preconceito por causa da minha opção sexual, claro que sempre existem piadinhas. É normal até você mostrar quem você realmente é, até mostrar a tua competência e profissionalismo.

Ainda existe muito preconceito masculino, muito machismo no mercado de trabalho. Os homens não aceitam “perder” profissionalmente para uma mulher, a situação piora quando se trata de uma “sapatão“. No meu caso, eles não podiam falar muito porque sempre corri atrás, estudei, me qualifiquei, fiz faculdade de psicologia e faculdade de gastronomia. Não atuo em nenhuma dessas áreas porque sempre gostei anatomia e busquei algo que me identificasse de verdade. Fiz um curso de tanatopraxista.

Tanatopraxia é o procedimento que consiste na preparação de um cadáver para o velório ou funeral, assim o corpo não sofrerá decomposição natural, durante o tempo solicitado pelos familiares para o velório e despedida.

 

Além de atuar na área, faço reconstrução facial e craniana em cadáveres. Trabalhei um tempo em Buenos Aires, Argentina e só voltei para o Brasil porque meus pais ficaram doentes. Em janeiro do ano ado meu pai faleceu e eu que preparei o corpo dele, recebi muitos julgamentos, disseram que eu era fria por isso, por mexer no corpo morto do meu pai, mas para mim, foi forma que encontrei de prestar a última homenagem a ele. Por muito tempo fui bombeira voluntária em Lages, função que devo regressar nos próximos meses.

O preconceito e a discriminação diminuem quando apresentamos diplomas e certificados. As pessoas buscam quem tem qualificação e deixam de lado nossa opção sexual. É importante salientar que opção sexual importa para mim e para quem se relaciona comigo, do portão para fora, sou uma pessoa que busca emprego, saúde e moradia e essas são questões básicas para todos os sexos e opções sexuais.

 

A família e as escolhas

Eu tenho uma filha com 24 anos e duas netas. Sempre sonhei em ser mãe, então escolhi meu melhor amigo pra ser pai porque também era o sonho dele ter um filho (a). Na noite escolhida, fiz um porre bem grande, porque sóbria eu não conseguiria encarar a situação. Foi meu primeiro e último contato sexual consensual com um homem.

Contrariando o que todos falam, que nós lésbicas odiamos os homens, eu digo que tenho muitos amigo homens e não me sinto desconfortável em abraçá-los ou beijá-los no rosto. Existe, entre nós, muito respeito e iração. Demonstrações de carinho e afeto são normais e saudáveis.

Sempre me perguntam porque eu nunca adotei um nome masculino, eu acho que isso não se encaixa no meu modo de pensar e viver, porque eu não sou homem, não nasci homem. Eu nasci mulher, tenho corpo de mulher, porém sinto atração e gosto de outras mulheres.

Quem quiser me chamar de “ela”, está ótimo, se me chamar de “ele” tudo bem também. Me visto de forma discreta, calça jeans, camiseta e tênis porque me sinto bem assim, não é o meu estilo usar vestido e salto alto, mas não vejo nenhum mal em vestir-me de outra forma, desde que seja confortável.

As pessoas precisam entender que ser “sapatão” não significa que vou sair ando cantada em todas as mulheres que eu encontrar pela rua, eu sei respeitar as pessoas. Tive uma mãe maravilhosa que me ensinou muito sobre respeito e caráter e eu devo muito a ela. Minha mãe sempre falou que eu poderia gostar de outras mulheres e me relacionar com elas, mas que eu deveria respeitar quem estivesse comigo, cuidar e amar. Jamais poderia judiar, humilhar ou maltratar, porque eu também sou mulher e merecemos respeito.

Mensagem

Se eu pudesse deixar um recado ou um conselho, seria:

Busquem conhecimento, estudem, se profissionalizem e exijam seus direitos com bons empregos, bons cargos e muito profissionalismo. Para o mercado de trabalho, o que importa é a tua competência, o teu caráter e a tua ética. Permita que a tua bandeira, o teu rótulo, seja sinônimo de honestidade, conduta, integridade, humildade e força de vontade. Não somos diferentes de ninguém, somos pessoas com qualidades e defeitos, como todas as outras. Por que precisamos colocar a opção sexual acima de tudo? Sejamos PESSOAS acima de qualquer opção e isso basta para que sejamos respeitados em qualquer lugar que chegarmos.

Essa é uma matéria editada por Beatriz Rosa Chiodeli, do São Joaquim Online, em uma parceria com o CREAS, Dra. Dayana Kisner Grings (Advogada), Karine Rodrigues (Acadêmica de Investigação e Perícia Criminal), Dra. Regiane Viana da Silva (advogada), Elisângela da Rosa (pesquisadora) e Sallime Chehade (Pedagoga, Jornalista, Graduanda em Direito e Pós-graduanda em Psicologia Infantil, coordena o Movimento Social Diga não à Pedofilia há 7 anos, clique aqui e conheça a FanPage).
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